O CARIOCA
Nestes últimos seis anos da minha existência, eu tive o privilégio de ter sido adotada como nora por um carioca, o Carlos Henrique. Todas as várias vezes que eu visitava o Rio de Janeiro, ele me fazia perceber a Cidade Maravilhosa como algo muito além da orla de Copacabana.
Carlos Henrique era tão aficionado pela cidade que não gostava de viajar de férias para lugar nenhum, a não ser Paris. Só saía do Rio se fosse viajar para lá. Era como Tom Jobim, que uma vez respondeu aos jornalistas estrangeiros que perguntaram porque não se mudava para Nova York, no auge do seu sucesso: "Porque Nova York se eu tenho o Rio de Janeiro?", disse.
Era isso, ele já estava no melhor lugar do mundo. E morava no melhor bairro do melhor lugar do mundo, o Leblon. Estava entre o mar e a empadinha do Jobi; entre a caminhada do calçadão e o Garcia e Rodrigues; entre a água de coco da barraca da praia e a Letras e Expressões; Entre a casquinha de siri do Caneco 70 e o burburinho da Pizzaria Guanabara.
Saindo a pé da sua casa, em poucos minutos de caminhada, chega-se em Ipanema, e por algumas horas me sinto - a - garota. Estou no meio do Brasil e ao lado de tudo que é belo, novo e importante.
Ele trabalhava no Centro do Rio de Janeiro, e essa foi minha melhor e mais surpreendente descoberta. Certa vez o Carlos me levou num passeio inesquecível pelas ruas e edifícios antigos do bairro. Lá do alto do seu escritório tivemos uma aula de história, olhando uma vista magnífica, antes de sairmos andando em busca da beleza escondida na agitação do Rio moderno e em pleno vapor. Sim, porque os cariocas trabalham! Descobri isso somente ao visitar o centro porque no caminho de idas e vindas dos nossos passeios eu SEMPRE via a praia cheia e o calçadão lotado de gente. Eu brincava com ele dizendo que carioca só fica na praia, ele dava uma risada de quem gostou da observação, mas deixando no ar que só diz isso quem ainda não descobriu o mistério que envolve os cariocas.
Só no centro de uma cidade como essa podemos visitar uma exposição internacional no prédio do Banco do Brasil e atravessar poucos quarteirões para se deparar com a Confeitaria Colombo, tendo assim um deleite de todos os sentidos. Além de poder ver a beleza e magnitude da Biblioteca Pública Nacional, (meu queixo caiu ao pisar naquele santuário da literatura) Carlos Henrique me mostrou as construções dos primeiros cortiços da cidade, onde tudo começou. Lá cheguei a pensar que estava ouvindo bem baixinho o som dos primeiros sambas a serem criados numa tarde de descanso dos moradores pioneiros.
Ao chegar em casa de um dia cansativo de trabalho poder-se-ia pensar que ele estivesse sem paciência para falar da cidade pra uma mineira sem muitos anos de estudo da região, mas ele sentava e mostrava seus livros do Rio antigo, Rio atual, Rio do futuro. Mostrava fotos aéreas, desenhos, pinturas antigas, e ficava horas contando histórias. Rio...Rio...Rio.
Inúmeras vezes, ao tomar uma cervejinha, nos contava, com certo desdém, piadas, os famosos "causos" de mineiros. Ele morria de rir com nosso jeito de ser. Ele gostava de provocar, claro, ele se achava superior por ser carioca, mas não lhe culpo por isso. Entendo perfeitamente.
Ele mesmo pediu perdão por isso a Minas Gerais ao se casar com uma mineira. Haveria de ser com uma carioca? Claro que não! Nunca seriam felizes. A quem ele mostraria sua cidade todos os dias? A quem contaria suas histórias? Teria que ser alguém que se surpreendesse sempre, que o instigasse sempre, que sempre o perguntasse algo da cidade. Uma eterna turista ao seu lado, que por mais que ele ensinasse, nunca aprenderia. De propósito, claro, ela nunca absorveria tudo da cidade. E assim a mineirinha conservaria seu marido carioca até o fim dos dias dele.
Infelizmente, Carlos Henrique contrariando todas as previsões, deixou o Rio de Janeiro. Nunca mais vai voltar a pisar nas suas areias. Afinal, depois de 60 anos de exploração, a cidade ficou pequena. Resolveu mudar o ângulo, achou que a vista lá de cima seria mais bela e mais completa. Ele agora vê o Rio de Janeiro panorâmico e de lá sente que finalmente o possui por inteiro.
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