sexta-feira, maio 19, 2006

A ARTE DO MINEIRO



Para ser mineiro não basta ter nascido em Minas Gerais. Para ser mineiro é preciso cultivar a mineiridade em cada gesto, olhar e jeito de conversar. É preciso ser um sujeito admirado! Encantado com o mundo, com as pessoas e com a paisagem que o cerca. A construção do verdadeiro mineiro começa nas brincadeiras de rua, no carrinho de rolimã, na pipa e no prazer de se sentar ao lado de um fogão a lenha, tomar uma caneca de café bem quente e comer uma broa de fubá enquanto se tira um dedo de prosa. É saber ouvir uma viola, receber amigos em casa e respeitar os seus vizinhos. Ser mineiro é viver na terra da liberdade, conhecendo bem os seus limites.
A Estrada Real acabou revelando em Minas um tesouro muito mais valioso do que o ouro que os portugueses puderam, um dia, levar. Aqui, entre os mares de morros, subidas e descidas das cidades históricas, acabaram nascendo artistas incríveis e incomparáveis.
Quando foi que nós mineiros começamos a construir a nossa vasta cultura, a nossa arte – profunda - e sem limites?
Poderíamos voltar dez mil anos no tempo e vasculhar as paredes das cavernas dos sítios arqueológicos de Lagoa Santa, Serra do Cipó, Cocais ou outros ainda por descobrir, e nos deparar com as primeiras pinturas rupestres. Não tão longe no tempo, já no século dezoito, quando as áreas de mineração desenvolveram um grande número de construções religiosas, se criariam as mais diversas formas de expressão da arte. Estaria lá a semente de um povo que culturalmente viria a ser o estado brasileiro que mais criou raízes, sedimentando os seus costumes, crenças e modos através de manifestações artísticas em todas as áreas.
Curiosamente, do mesmo modo em que o mineiro fincou os pés na base da sua montanha, fixou os olhos em seu cume. Foi-se construindo assim um povo profundamente ligado ao passado e às raízes, mas buscando o futuro e o recebendo com os braços abertos. Por isso é tão difícil enumerar seus mais importantes artistas, pois cada um dos filhos desta profícua terra tem um pouco do artesão, do cozinheiro, do pintor, do escultor ou do músico.
Todo mineiro tem uma avó, exímia cozinheira, que delicia a família com broas, bolos, queijos e tropeiros preparados com a mesma inspiração e beleza que um artista plástico consagrado faz sua obra; ou tem um avô que conta ‘causos’ divinamente como aquele escritor premiado que nós tanto admiramos. Quem são seus artistas ilustres? Todos, mas alguns mais do que os outros.
São filhos dessa terra o inesquecível escultor Aleijadinho, a lírica poetisa Henriqueta Lisboa, o premiado e consagrado pianista Nelson Freire, o precursor do cinema nacional: Humberto Mauro, o músico multifacetado Ary Barroso, o incomparável ator Grande Otelo, o eterno “menino-cartunista” Henfil e o genial escritor João Guimarães Rosa. Este último que um dia escreveu com melancolia em seu “Manuelzão e Miguilim”: “Estou sempre pensando que lá por detrás dele (do morro) acontecem outras coisas, que o morro está tapando de mim, e que eu nunca hei de poder ver”. Entretanto, Rosa, sim, enxergou de nós e de Minas até o que não viu, e nos contou.


Texto: Carolina Godoi
Foto: Fernando Grilo
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