sexta-feira, abril 07, 2006

ADEUS, PERNAMBUCO...



A primeira parada em Recife deveria ser num restaurante típico, onde é servida carne de bode. Assim ia falando, animado, o nosso amigo taxista. “Bode?” Eu perguntei: “Que gosto tem bode?” E ele respondeu: “Bode tem gosto é de bode mermo!” Os três caíam na gargalhada.
O tal do restaurante estava fechado, pois era segunda-feira. Perguntamos para um passante onde comeríamos uma carne de bode na região. E ele: “Aaahh, agora num é época de bode não...” Romildo acelerou bufando, e pensando em voz alta: “E bode lá tem época?! Nasce em árvore por acaso?!”
O almoço foi galeto na brasa, o melhor de Recife. E para mim foi o melhor do Brasil. Nunca comi um galetinho tão dourado, crocante e com acompanhamentos tão saborosos. Nada como uma boa manteiga de garrafa! Quem ainda não provou não sabe o que é bom nessa vida...
O passeio pelo centro de Recife foi praticamente só no Mercado São José. Comprei muitas castanhas, de dois tipos. A tradicional, nós que moramos no sudeste já conhecemos. Só que a de lá é macia e fresquinha. Conheci também outro tipo, a brejeira. Ela é feita no fogão à lenha e fica meio queimadinha. O sabor é completamente diferente. Ah! A tapioca, encomenda da minha irmã. Quantidade? O máximo que conseguisse carregar! Comprei seis quilos e parecia uma contrabandista de cocaína, com aquele pó branco escondido na mala.
Recife é uma cidade cheia de atrativos, mas tínhamos pouco tempo. Uma reportagem que li no avião mostrava Ronaldo Fraga visitando o Museu do Brennand. O lugar parecia o Taj Mahal, fiquei curiosíssima. Só com o Romildo mesmo que turistas desavisados conseguem chegar naquele lugar afastado, num bairro que mais parece uma floresta. No caminho, Romildo ia contando histórias da família Brennand, hoje riquíssima. Certa vez ele fez uma corrida com uma parenta dele, que o encheu de dinheiro no final. Perguntei do Francisco, o artista/ceramista/escultor. “Ah, esse já morreu! E eu nunca vi!”, disse de olhos arregalados.
O lugar era mesmo místico e monumental. Francisco Brennad nasceu em Recife. Em 1971, começou a reformar uma velha fábrica de tijolos e telhas fundada pelo seu pai, com cerca de 10.000m2 de área coberta, transformando suas ruínas num espaço mágico que até hoje é recriado pela sua inquietação de artista. O espaço que hoje é oficina, museu e importante pólo de aprendizagem do manuseio da cerâmica no Brasil, nos envolve num velho-novo mundo com templos e jardins, seres e animais mitológicos, ovos míticos e guardiões. E milhares de símbolos fálicos. Não é erótico. É sim uma arte que representa o sexo como algo primitivo, bruto, inerente ao nosso imaginário e cotidiano.
Passei vergonha ao perguntar à mocinha que estava nos guiando pelo lugar quando o Brennand tinha morrido. “Deus me livre! Ele está vivo e trabalhando no ateliê dele, logo ali”, disse com cara de assustada. Pensei que ia matar o Romildo quando o encontrasse na saída do Museu. E era mesmo a minha intenção, mas ele não se fez de rogado e me perguntou: “Você viu o Brennand?” Eu disse que não, aliás, tentamos com várias pessoas um encontro com ele para uma foto, uma conversa que fosse, mas ele dissera que não queria ser interrompido de forma alguma. “Tá vendo! Se ele está vivo, tem mais de cem anos! E nunca é visto por aqui, eu pelo menos nunca o vi. A única explicação é essa: ele morreu e ninguém quer contar”. Só Romildo mesmo para dizer uma coisa dessas.
Na volta, uma pausa para tirar uma foto do Romildo. É estranho gostar tanto de alguém em tão pouco tempo e saber que provavelmente nunca mais vamos nos reencontrar. Pelo menos, teremos a fotografia.
Antes de chegar no aeroporto, uma última gentileza dele. Parou em outro mercado só pra comprar a manteiga de garrafa que tanto gostei. Antes de sairmos com as malas ele disse, com os olhos cheios d’água: “Ôxe, eu não sei nem cobrar de vocês”. Nos abraçamos e deixamos Recife para trás.

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