sexta-feira, maio 12, 2006

COLECIONADORA DE TEMPO


Perturba-me a passagem do tempo, por isso fico a guardar pedaços da minha existência. Coleciono fotos, objetos, cartas, presentes e souvenirs. Esses últimos, aqui na minha terra, a gente chama de ‘lembrancinhas’. Adoro esse nome porque de uma forma carinhosa e despretensiosa, guarda exatamente, numa só palavra metaforizada, o que elas são para mim. Gosto de olhar e re-olhar aquilo que está guardado na minha cristaleira, e ter um cheiro de lembrança daquilo que fui ou daquilo que vivi. Inutilmente, tentando fazer a Terra girar ao contrário e voltar o tempo.
Foi nisso que pensei ao resolver não jogar fora o perfume que comprei em Roma na minha lua-de-mel. Ele já está velho, não tem um cheiro bom mais, a cor é outra e a embalagem está enferrujada depois de cinco anos de passagem. Mas ao redescobri-lo no fundo do armário, voltei àqueles dias inesquecíveis por alguns segundos. É até uma ironia que o perfume se chame Souvenir d’Italie.
Não consigo agarrar o tempo com as mãos, e dizê-lo para não ser tão cruel comigo. “Mais devagar, preciso que você passe mais devagar”, grito. Ele não me ouve. Está muito ocupado, passando.
Olho as fotos do meu filho e quase não acredito que aquilo que ele foi, não estará mais aqui, nunca mais. Ele vai embora todos os dias. Ele agora é outro e amanhã será outro mais diferente ainda. Criança crescendo é a gente envelhecendo.
Vejo os cabelos brancos do meu pai, que de repente resolveram aparecer, e me pego pensando que eles erraram de lugar. Esses cabelos sempre foram do meu avô, não combinam contigo, pai... Por um segundo me esqueço de que você já é o avô do meu filho.
Reparo na calma do meu avô, sua quietude e placidez dizendo pra mim enquanto escreve num formulário sua data de nascimento: 04-10-1923... “Agora sou o mais velho que existe”, ele me diz. Sim, agora o tempo é seu senhor, e ele, observa meu avô, que contava tantos casos, ficando cada vez mais calado. Assim como o outro bisavô do meu filho, o avô do meu marido. Calado, ele adora ficar horas sentado do lado do berço do bisneto a admirar esse presente que só o tempo poderia lhe dar.
Toda vez que uma das minhas lembrancinhas se quebra, sinto que perdi mais uma batalha para o tempo. É ele dizendo que não adianta tentar ludibriá-lo. Hoje foi uma máscara que ficava pendurada na minha parede, que se partiu no chão. Foi comprada em Veneza, onde vivi uma paixão. O cheiro de lá, a comida, o vinho, o cenário, as pessoas, as suas águas, enfim, estava tudo preservado dentro dela. Percebi que aquele tempo passou, não volta mais, se quebrou no chão. Agora, sinto que não tenho mais aquilo que vivi. Vou tentar colar as partes espatifadas, mas sabendo que preciso viver tudo de novo, pra voltar a existir.

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