sexta-feira, março 03, 2006

QUANDO EU E NIETZSCHE CHORAMOS


Então foi-se o meu avô, voinho...
Era ele que em tempos idos e felizes retirava um livro da sua prateleira para dividir comigo, embasbacado, o que lia. Não se importava com minha pouca idade e pouca capacidade de entender os grandes pensadores. Por causa disso eu acabei entendendo muita coisa. O tempo foi passando, e eu crescendo e me apoderando das idéias incríveis de escritores que eu não tinha nem coragem para começar a ler.

"Mas, se tendes um inimigo não lhe pagueis o mal com o bem, porque isso o humilharia.”

Meu avô se impressionava muito com a maneira que eles tinham de, numa única frase fazer conter milhões de pensamentos. E, o mais importante, ele conversava comigo por muito tempo sobre apenas uma frase que tinha gostado.

“Posso enganar-me ao pregar meu próprio valor, mas posso pretender que meu valor seja reconhecido”.

Foi assim que adquiri o hábito de colecionar frases. Há muito perdi essa mania porque há muito ele não me instigava com seu sorriso enigmático depois de me mostrar algo que Nietzsche escreveu. Era esse o seu escritor favorito. Marcava o livro, grifava, dobrava as páginas no afã de aprisionar para sempre o pensamento do escritor dentro de si, para nunca mais esquecer. E se algo era realmente impressionante ele escrevia à caneta na última folha do livro a página e o trecho para que pudesse voltar a ela inúmeras vezes.

“É-se punido principalmente pela própria virtude”

Mesmo depois de ter partido, voinho voltou a mim através de Nietzsche e dois de seus livros. Voaram de suas prateleiras para mim, que nunca tive coragem suficiente para lê-los. Nunca quis enfrentar as páginas sem ter meu avô por perto para se impressionar com os escritos. Ele os deixou para mim... Será que são do autor ou do meu avô, que escreveu em suas entrelinhas?


“É preciso aprender a desviar o olhar de si, para ver muitas coisas: tal dureza é necessária a todo escalador de montanhas”.

Fico a folhear os livros que ganhei e que tenho, agora, que ler. Não posso mais fugir, voinho... Afinal, agora sim você estará sempre do meu lado nessa viagem, com aquele sorriso maroto de quem entendeu, finalmente, tudo.

“Pelos outros na mesma medida que por mim”



* As frases em itálico foram escolhidas por Luiz Garcia Pedrosa dos livros: “Assim Falou Zaratustra” e
“Além do Bem e do Mal” de Friedrich W. Nietzsche

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