sexta-feira, novembro 03, 2006

VÁRIOS FILMES EM UM


“Capote”é o filme que eu gostaria de ter feito. É o filme sobre um livro que eu gostaria de ter feito. Ou melhor, é o filme sobre um livro que conta a história de um escritor escrevendo o seu livro, que eu gostaria de ter feito. Trocando em miúdos: o filme “Capote” é baseado no livro biográfico “Capote” de Gerald Clarke que narra a vida do escritor, romancista, jornalista e personalidade Truman Capote. O foco é o período em que Truman resolveu escrever um livro de não-ficção depois que viu a potencialidade da história do assassinato de uma família inteira impressa no jornal em 1959.
Para que este entrelaçado de vidas e histórias funcionasse, o roteirista Dan Futterman meticulosamente pesquisou os cinco anos de vida mais importantes do escritor Truman Capote: os anos em que se dedicou investigando o crime no Kansas para escrever “À Sangue Frio” (“In Cold Blood”). E amarrou várias narrativas dentro de uma.
As primeiras imagens do filme são lentas, arrastadas e silenciosas. Nos mostram um lugar calmo e isolado no mundo, e nos levam à cena do assassinato. Quando já estamos sufocados, dentro da trama do crime, somos levados a conhecer a figura marcante do jornalista investigativo e escritor-celebridade, Truman Capote, brilhantemente interpretado/metamorfoseado pelo vencedor do Oscar de melhor ator, Philip Seimour Hoffman. Passamos a conhecer o autor ao mesmo tempo em que conhecemos o seu futuro livro. Passamos também a acompanhar o sofrimento e envolvimento do autor para conseguir escrevê-lo, ao mesmo tempo em que acompanhamos a história que ele escrevia se desenrolar.
Assim, o cinema consegue expandir suas possibilidades, nos apresentando um produto visual impactante estabelecendo cuidadosamente, através do roteiro, a época e o lugar onde se passam as três tramas. A primeira é a trama da sociedade literária de Nova York, com suas festas de alta sociedade em que Truman reinava.
A segunda é o próprio Truman. Apesar de ser sulista, gay assumido, cheio de trejeitos e uma voz fina e irritante, era o ímã de todas as reuniões intelectuais regadas a muito uísque. Suas maneiras excêntricas não escondiam sua ambição, sem limites, de conquistar o sucesso com seus livros. O filme consegue nos transmitir a personalidade do escritor, sua habilidade em envolver as pessoas e os caminhos tortuosos que teve que tomar para conseguir escrever seu mais importante livro, que mudou os rumos da literatura americana. Enquanto escrevia “A Sangue Frio”, Capote começou a beber muito e tomar pílulas. Paradoxalmente ele se envolvia com um dos assassinos, tinha nojo e queria sua execução para que terminasse sua obra. Ficou tão absurdamente transtornado com a história que escreveu, que nunca mais terminou outro livro. A obra que o consagrou foi também o seu fim.
A outra trama é a que se passa no Meio-Oeste americano, onde o escritor se infiltra, mesmo não pertencendo àquele mundo. A dualidade da pacata sociedade americana e a brutalidade e insanidade de um crime sem precedentes está o tempo todo sendo transmitido na tela grande. O cotidiano das boas famílias, seus jantares sisudos e suas casas bem decoradas e arrumadas entram em choque com a realidade violenta e vulnerável daqueles homens, naquela noite.

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