Nasce um atleticano, ou melhor: Nascem dois!
Sempre estranhei o fato de que o meu marido, Fernando, não tivesse um time. Se alguém perguntava: “Você é o quê?” Ele dizia: “Ah, não sou nada não...” No começo eu gostei de ter achado essa espécime rara de homem, que não troca a mulher por uma partida de futebol, que não fica discutindo esse assunto o tempo todo, que não fica mal humorado quando perde e nem permanece com os olhos pregados na televisão no sábado à noite, enquanto eu passeio de calcinha pela sala.
Fui, então, me esquecendo do meu time, me afastando do campo de futebol e perdendo um pedacinho do que eu sou por causa disso. A ineficiência dos jogadores também ajudou, claro. Fica fácil não ligar para futebol quando tudo dá errado e o time vai parar na segunda divisão...
Tudo mudou quando o nosso baixinho aqui de casa resolveu ter um caso de amor inseparável com a bola. Mudou mais ainda quando todos que o viam jogando começaram a notar uma habilidade, precisão e força natas no chute dele, antes mesmo do pequenininho completar dois anos de idade. Se transformou de vez quando ele resolveu a chutar tudo o que é redondo que vê pela frente e a falar “bo-la bo-la” até quando está dormindo.
Quem joga bola precisa de um parceiro, e ele joga de manhã, depois do almoço, quando acorda de tarde e depois do banho à noite, só pra relaxar, nada muito sério, só alguns chutes a gol. Quem ama tanto o esporte sem nem entender ainda seu significado, e leva a bola pra onde quer que vá, não pode ficar sem um time. Não podíamos mais ficar indiferentes ao futebol.
Tirei da gaveta o uniforme preto e branco empoeirado que meu menininho ganhou dos avós quando nasceu. Sem falar nada com o pai, que supostamente não gostava do meu time, eu corajosamente vesti meu filho, definindo assim sua escolha.
O pai não falou nada, e saiu com ele no colo para comprar pão. Voltou meio sem graça e com um visível desconforto marcado no rosto. “Quase fui linchado na padaria. Ninguém se conformou em ver um menino tão bonito torcendo por um time que só perde!” Eu fiquei dizendo que ele deveria ter retrucado as provocações que vieram dos nossos rivais. Mas, logo me dei conta de que ele não sabia, nem tinha costume e bagagem para fazer isso.
Ainda não sabia como resolver esse impasse, mas esperei um momento de inspiração. E veio a luz: ele tem que se tornar um atleticano! Mas, como? Tem que ser convencido disso... De forma alguma meu filho veste uma camisa azul e branca!
Chegou o fim de semana, almoço na casa dos meus pais. Meu irmão se preparava para ir ao Mineirão com meu pai. Sem mais nem menos eu disse: “Pai, que tal você comprar o Fernando?” “Como assim?” “Faz com ele o que você fez com seu irmão, dá algo em troca pra que ele escolha torcer pelo Galo!” Ele abriu um sorriso malicioso.
Fernando se animou pelo simples fato de que ele ia ganhar algo nessa transação e resolver uma questão pendente. A moeda de compra não poderia ser outra senão a cerveja. A negociação começou modesta: “Cerveja de graça o fim de semana todo!?” "Cerveja de graça o mês todo?" “Não! Cerveja de graça até o fim do ano!” "Fechado".
Foi um corre-corre danado. Alegria geral! Busca camisa oficial, ensina o hino do Atlético, dá os toques de como torcer, macetes de como revidar as provocações do torcedor adversário, e finalmente a prova final: o Mineirão.
Mas, aconteceu o que eu temia. Será que eu teria criado um monstro? Rapidamente meu marido me trocou por uma partida de futebol, sem se esquecer do aquecimento, duas horas antes da partida, que incluiu muitas cervejas e o famoso Feijão Tropeiro. Quando dei por mim, Fernando já era atleticano e acenava em despedida num carro tomado pelas cores preto e branco.
Voltou do jogo rouco de tanto gritar, com um sorriso alvinegro, que desde então não tira mais do rosto. A não ser quando vai gritar a plenos pulmões quando o nosso filho marca um gol: Galooooooo !
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