quarta-feira, junho 27, 2007

A FOTOGRAFIA ESCRITA REVELADA EM MARGUERITE DURAS

Trabalho final do Pós-Lit da Disciplina "A Literatura e a Vida"da Professora Lúcia Castello Branco.: Faculdade de Letras.: UFMG.: Belo Horizonte

« La histoire de ma vie n’existe pas. Ça n’existe pas. Il n’y a jamais de centre. Pas de chemin, pas de ligne »
(DURAS, 1993:14).



A FOTO QUE NÃO EXISTIU - parte 1

Ao ler os livros de Marguerite Duras, depois do arrebatamento inicial que sua escrita provoca, é possível perceber como a autora usa a fotografia como um objeto de revelação. Mais do que uma escrita cinematográfica, mais do que as imagens que seu texto fazem imaginar, ela escreve por diversas vezes em vários de seus livros usando deste objeto para fazer uma escrita “atravessada pelo sujeito”.
Esta vida registrada em cada fotografia descrita neste trabalho é mais do que as suas memórias reconstruídas, ou até mesmo fantasiadas. Está nas fotografias uma vida própria contida, quase apagada, que ela nos revela com sua escrita. Re-vela no mesmo movimento no qual uma foto é quimicamente revelada. Algo que está fechado ou apagado e nem ao menos parece existir dentro de uma folha em branco, aos poucos se transforma, aparece, para em seguida se fechar, pois o que re-vela, vela novamente.
Para entender este movimento de velar e revelar nessa vida contida nas fotos que Duras (d)escreve, uso alguns conceitos de Barthes, Deleuze, Sartre, Blanchot e Silvina Rodrigues Lopes. Escolho, então, um de seus livros mais aclamados, “O Amante”, para fazer essa análise.
É um bom começo se lermos uma das passagens em que Duras fala da fotografia sem que ela tenha existido. E por essa razão, talvez, ela exista com força maior.

“Durante essa viagem, a imagem poderia definir-se, destacar-se do conjunto. Ela poderia ter existido, uma fotografia poderia ter sido tirada, como outra, em outro lugar, em outras circunstâncias. Mas não o foi. O motivo era muito insignificante para isso. Quem teria essa idéia? A fotografia só seria tirada se fosse possível prever a importância desse acontecimento em minha vida, aquela travessia do rio. Ora, no momento em que aconteceu, mesmo sua existência era completamente ignorada. Só Deus sabia. Por isso essa imagem, e nem podia ser de outro modo, não existe. Foi omitida. Foi esquecida. Não foi destacada, não foi registrada. A esse fato de não ter existido ela deve sua virtude, a de representar um absoluto, de ser seu próprio autor” [i]

Duras escreve sobre passagens insignificantes da vida que depois se tornam decisivas em nossa trajetória. Em nossa “travessia do rio”. A foto poderia ser tirada para que pudesse ser vista no futuro como uma reafirmação do passado, como uma comprovação de que tudo tinha realmente ‘se passado’ daquela forma. A fotografia, de certa forma, traria o passado novamente como presente, o lugar distante para aquele em que nos encontramos agora. “A fotografia nunca é vivida como uma ilusão, (...) e a sua realidade é a do ter-estado-lá, pois, há em toda fotografia a evidência sempre assombrosa do: aquilo passou-se assim: nós possuímos então, precioso milagre, uma realidade da qual estamos ao abrigo”.[ii] Entretanto, a fotografia não foi tirada, e esse abrigo a autora/personagem não teve e ao escrever sobre a virtude deste fato ela fotografa a cena passada, imprimindo essa imagem na memória.
Pensando sobre a passagem do tempo vista por uma fotografia, surge um de seus papéis mais corriqueiros. Quando o tempo passa, até mesmo os eventos mais marcantes e importantes são nublados na memória, a lembrança fica entre a fantasia do que se quer que tenha acontecido e aquilo que realmente ocorreu, se é que ocorreu, pois essa dúvida confunde sonho e realidade.Talvez ela precisasse voltar a essa foto sempre para reafirmar essa verdade, mas como não pode, ela existe por si só. A imagem é como é, como ela quer pensar que é, a cada vez que voltar a se lembrar dela. A foto da travessia de Duras só toma existência depois. Uma verdade é criada com o tempo e depois de outras experiências.
[i] DURAS, M. (1984/1985) O Amante – Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira. p.14
[ii] BARTHES, R. 1984 - p.36.

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