sexta-feira, abril 28, 2006

UM ANJO NA PLATÉIA


Menos de um ano e meio de idade. Ainda tão pequenininho você já foi assistir à sua primeira peça de teatro. Levamos você porque já existia algo no seu olhar, olhando o mundo, que nos dizia que já era tempo. Resolvemos não ter expectativas, e sair do teatro se você perdesse o interesse antes do fim.
Seu primeiro espetáculo foi ‘Anjos e Abacates’ da Cia. Acômica, que estava comemorando 10 anos de existência com um festival no Galpão Cine Horto. O fato de que as entradas eram gratuitas só fez aumentar o tamanho da fila, e até o último segundo não sabíamos se íamos conseguir entrar. Mas você esperou pacientemente no colo do papai até chegarmos dentro do teatro, já lotado de gente.
Ficamos apertadinhos numa arquibancada, no maior calor do mundo. De repente ficou escuro e percebi seus olhos se arregalarem. Cada luzinha que se acendia no palco chamava sua atenção, mas nada se compara com o sorriso que você abriu quando viu a bonequinha preta entrar no palco.
A história que assistimos nos remeteu à qualquer infância vivida no quintal da casa da vovó. Árvores pra subir e pé no chão. Dois quintais separados por um muro. De um lado, dois irmãos sapecas, que têm um cachorro, uma cabra e brincam que são locutores de uma rádio chamada “Esperança que se acaba”. Do outro, um menino que gosta de sonhar, apaixonado pela filha da lavadeira, ou será a bonequinha preta que fugiu do livro?
Os bonecos, criados pelo Giramundo, eram sensacionais. Um lagarto que andava em cima do muro, um passarinho e a mãe dos meninos que surgia, vez ou outra, gritando o nome deles pra almoçar, que tá na mesa!
E você assitiu a cada momento da peça - que também é um musical - sem pestanejar, sem reclamar num só instante, voltando sempre o pescocinho para onde a trama ocorria naquele palco enorme... Tão novinho! Não esperava tanta fascinação...
Fiquei feliz pela nossa escolha porque sei que você deve ter sonhado naquela noite com frutas, leite de cabra, roupas sujas, vara de pescar, um grande peixe, uma boneca doidinha e sorridente e um anjo dourado subindo para o céu cheio de nuvens.

sexta-feira, abril 21, 2006


MOINTAINS HIGH

I see MOUNtains
Everywhere
And I feel them inside of me
You are one of the million MoUNTains
I must climb today
You have built the highest one
And the other ones that in my heart lay
And so I must say

MounTAINS are between us
MoUnTaIns are around us
Blessing us
Teasing us
To be more
Than we ever were before

And then you climbed my MOUNTAIN
That beautiful night with a full moon
Just before the sun rose,
I was descending your mountain
And it was not that high anymore…

sexta-feira, abril 14, 2006

...DEPOIS DO ANTES


Antes do remédio, sou o que dói
Antes do gozo, sou tempestade
Antes do sol, furacão
Antes da desculpa, sou o que me corrói.

Se acordo cansada, café
Se fico calada, solidão
Se a boca amarga, carinho
Se o mundo deságua, fé.

Antes da estrela, sou o caminho torto
Antes da cachoeira, sou mangue
Antes do encontro, ilusão
Antes do salto, sou só desgosto

Se os olhos águam, travesseiro
Se os amigos viajam, telefone
Se os caminhos entortam, derrapo
Se os amores se estragam, desespero.

Antes da vida, sou a longa gestação
Antes do palco, sou ensaio
Antes da festa, vazio
Antes do brilho, sou o apagão.

Se a roupa aperta, piro
Se a cama repleta, satisfação
Se o peito desperta, caminho
Se a estrada é certa, respiro!

sexta-feira, abril 07, 2006

ADEUS, PERNAMBUCO...



A primeira parada em Recife deveria ser num restaurante típico, onde é servida carne de bode. Assim ia falando, animado, o nosso amigo taxista. “Bode?” Eu perguntei: “Que gosto tem bode?” E ele respondeu: “Bode tem gosto é de bode mermo!” Os três caíam na gargalhada.
O tal do restaurante estava fechado, pois era segunda-feira. Perguntamos para um passante onde comeríamos uma carne de bode na região. E ele: “Aaahh, agora num é época de bode não...” Romildo acelerou bufando, e pensando em voz alta: “E bode lá tem época?! Nasce em árvore por acaso?!”
O almoço foi galeto na brasa, o melhor de Recife. E para mim foi o melhor do Brasil. Nunca comi um galetinho tão dourado, crocante e com acompanhamentos tão saborosos. Nada como uma boa manteiga de garrafa! Quem ainda não provou não sabe o que é bom nessa vida...
O passeio pelo centro de Recife foi praticamente só no Mercado São José. Comprei muitas castanhas, de dois tipos. A tradicional, nós que moramos no sudeste já conhecemos. Só que a de lá é macia e fresquinha. Conheci também outro tipo, a brejeira. Ela é feita no fogão à lenha e fica meio queimadinha. O sabor é completamente diferente. Ah! A tapioca, encomenda da minha irmã. Quantidade? O máximo que conseguisse carregar! Comprei seis quilos e parecia uma contrabandista de cocaína, com aquele pó branco escondido na mala.
Recife é uma cidade cheia de atrativos, mas tínhamos pouco tempo. Uma reportagem que li no avião mostrava Ronaldo Fraga visitando o Museu do Brennand. O lugar parecia o Taj Mahal, fiquei curiosíssima. Só com o Romildo mesmo que turistas desavisados conseguem chegar naquele lugar afastado, num bairro que mais parece uma floresta. No caminho, Romildo ia contando histórias da família Brennand, hoje riquíssima. Certa vez ele fez uma corrida com uma parenta dele, que o encheu de dinheiro no final. Perguntei do Francisco, o artista/ceramista/escultor. “Ah, esse já morreu! E eu nunca vi!”, disse de olhos arregalados.
O lugar era mesmo místico e monumental. Francisco Brennad nasceu em Recife. Em 1971, começou a reformar uma velha fábrica de tijolos e telhas fundada pelo seu pai, com cerca de 10.000m2 de área coberta, transformando suas ruínas num espaço mágico que até hoje é recriado pela sua inquietação de artista. O espaço que hoje é oficina, museu e importante pólo de aprendizagem do manuseio da cerâmica no Brasil, nos envolve num velho-novo mundo com templos e jardins, seres e animais mitológicos, ovos míticos e guardiões. E milhares de símbolos fálicos. Não é erótico. É sim uma arte que representa o sexo como algo primitivo, bruto, inerente ao nosso imaginário e cotidiano.
Passei vergonha ao perguntar à mocinha que estava nos guiando pelo lugar quando o Brennand tinha morrido. “Deus me livre! Ele está vivo e trabalhando no ateliê dele, logo ali”, disse com cara de assustada. Pensei que ia matar o Romildo quando o encontrasse na saída do Museu. E era mesmo a minha intenção, mas ele não se fez de rogado e me perguntou: “Você viu o Brennand?” Eu disse que não, aliás, tentamos com várias pessoas um encontro com ele para uma foto, uma conversa que fosse, mas ele dissera que não queria ser interrompido de forma alguma. “Tá vendo! Se ele está vivo, tem mais de cem anos! E nunca é visto por aqui, eu pelo menos nunca o vi. A única explicação é essa: ele morreu e ninguém quer contar”. Só Romildo mesmo para dizer uma coisa dessas.
Na volta, uma pausa para tirar uma foto do Romildo. É estranho gostar tanto de alguém em tão pouco tempo e saber que provavelmente nunca mais vamos nos reencontrar. Pelo menos, teremos a fotografia.
Antes de chegar no aeroporto, uma última gentileza dele. Parou em outro mercado só pra comprar a manteiga de garrafa que tanto gostei. Antes de sairmos com as malas ele disse, com os olhos cheios d’água: “Ôxe, eu não sei nem cobrar de vocês”. Nos abraçamos e deixamos Recife para trás.