sexta-feira, março 31, 2006

DESENCONTRO MARCADO

Final de viagem é sempre assim: dinheiro que acaba antes da hora e vontade louca de voltar para casa numa máquina teletransportadora. Como isso ainda não é possível, começamos a pensar no primeiro estágio da volta, ou seja, ligar para o Romildo nos buscar em Porto de Galinhas.
Como eu imaginava, Romildo não estava em casa e não era possível falar com ele, já que o celular, bem você já sabe... Deixei recado e fui aproveitar meu último dia de praia. Porém, fiquei com medo de não conseguir a confirmação do nosso mais novo amigo, e fui tentada pelas outras ofertas dos inúmeros taxistas precisando de trabalho.
Tá bom, vai, quanto é a ida pra Recife? Hummm... E um passeio na cidade incluído? Hummm, bom... Esse é seu carro? Hummm, ótimo. É amanhã cedo, nove em ponto! Não vai dar bolo, heim? Vou dispensar outro taxista porque seu preço está melhor e seu carro também. Qual seu nome? Hummm, tá bom José Milson, combinado.”
Fui pro hotel satisfeita em ter conseguido preço melhor, ar condicionado no carro, aleluia, naquele calor isso era muito precioso. Tive que ligar pra casa do Romildo dizendo que não íamos precisar dele, disse que um amigo de Recife ia nos pegar. Não deixei de ficar com um nó na garganta, mas quando a grana aperta a gente faz coisas que até o coração duvida.
Dia seguinte, malas prontas na porta do hotel. Mineiro não perde trem e nem admite quem perde. Por isso, depois de cinco minutos de atraso, eu já desconfiada, pedi pro meu marido ligar pro tal José Milson. Quando ele estava na porta uma senhora gorda, mal vestida e de chinelo o abordou dentro de um Uno caindo aos pedaços. “Ei, você é o Fernando? Eu vim no lugar do José Milson. A direção do carro estragou e ele me mandou vir no lugar dele”.
Já comecei a não gostar daquela história e a ficar meio desconfiada. Intuição é tudo nessas horas. Fui colocando as malas no carro e dizendo: Ele acertou o preço com você e o passeio em Recife?
“Sim, ele disse que vocês querem comprar umas castanhas no mercado, né?”
“Não é só isso. Queremos ir ao Museu do Brennand e no Centro, no mercado São José”.
Pronto. Armada a confusão. O José Milson não falou nada disso, é tudo muito longe, só por esse preço não faço blábláblá. Moral da história: estão achando que eu sou trouxa, que vou cair nessa só porque sou turista e com pressa de ir embora. Ah, tá bom! Pois sim! “Tire as malas do carro, Fernando! Nós vamos de ônibus.”
Ir de ônibus não foi nossa primeira opção por culpa do Romildo. Ele fez uma tragédia grega ao explicar o caminho que o ônibus faz, a demora, as paradas, os passageiros, o calor! Mas agora não tínhamos mais escolha e por isso estávamos parados no sol esperando o ônibus sair na hora marcada. Não estressei, estava feliz por não cair na lábia de ninguém e ainda gastar só cinco Reais. Eu estava de férias, tinha tempo e o ônibus nem era tão mal assim.
A viagem foi tão agradável que no final já estava agradecendo ao taxista “desgramado” que tentou nos dar o tombo. Os quarenta minutos a mais que a viagem durou passaram despercebidos. Tivemos que descer no aeroporto, na entrada da cidade, para guardar as malas antes de descobrir uma forma de passear por Recife em pouco tempo e com pouco dinheiro.
Ando no passeio da entrada do aeroporto chateada dizendo pro Fernando: “Ah, agora não temos como passear aqui. Mas, quem sabe a gente não encontra o Romildo por aqui?” Olho pro lado, no mesmo instante um táxi passa....
“Rooooomiiiiiiildoooo!!!!” Ôxe, era ele mesmo! Rapaz, esse homem levou um susto com meu grito! Mas eu não acreditava na sincronicidade desse acontecimento. Ele mandou a gente pular no táxi dizendo que estava triste porque a gente tinha o deixado na mão.
“E quanto vai ser a corrida? Entra aí que faço um precinho camarada pra vocês.” Nem quisemos saber quanto era. Esse presente do destino já era inestimável.


Aguardem! Último capítulo na próxima sexta.

sexta-feira, março 24, 2006

RECIFE É ROMILDO



Quanto mais viajo pelo mundo, mais conheço o ser humano. É o que fica permanentemente guardado na minha memória. E muitas vezes faço amigos que nunca mais vou encontrar, mas que em pouco tempo me conquistam como se fossem de longa data. E se você é alguém aberto, sensível e gosta das pessoas, já viveu algo parecido com o que vivi em Recife.
Chegamos ao aeroporto sem saber como iríamos rodar a cidade. No posto de informações peguei todas as indicações dos ônibus para se chegar aos pontos mais conhecidos, mas minha intenção inicial era conhecer Olinda, que fica a 20 minutos de Recife.
O engraçado é que o ponto de ônibus era num carrinho de pipoca, e o pipoqueiro foi o primeiro pernambucano que conhecemos. Alegre, prestativo e falador ele ficou ali nos dando as dicas para pegar o ônibus certo. A espera já estava ficando muito longa, e ele percebeu nossa inquietação. “Ôxe, porque vocês não vão de táxi?” Daí explicamos como nossa grana era curta e como esses taxistas eram careiros. Ele se virou para um senhor que estava andando, como quem não quer nada, pela plataforma do aeroporto, e perguntou: "Amigo, quanto é pra levar esses meus amigos pra Olinda, na camaradagem?"
O tal taxista, amigo do pipoqueiro, conseguiu nos convencer e nos levar para fora do aeroporto. Algo arriscado, mas estava na cara que ele era boa gente, não tinha a mínima pinta de ladrão. Tá certo que o carro dele era uma furrequinha, mas a gente não se importou com isso. Fomos conversando o tempo todo. Ele falava tão rápido e tão engraçado que fiz a maior força para responder na mesma língua. Contou que tem um neto, atentado, que jogou o celular dele no tanque. “Pense num menino que mexe em tudo? Pois é ele!”
A cada esquina, Romildo – esse era o nome dele – explicava alguma coisa sobre Recife. E nos levou aos pontos mais bonitos de Olinda, inclusive nos mostrou a bonita casa de um dos filhos mais ilustres da cidade, Alceu Valença. Nos indicou também um restaurante bom e barato, com uma vista muito bonita. Lá comemos o tal do “arrumadinho”, que é uma refeição com feijão verde, vinagrete, farofa, manteiga de garrafa, arroz e bifes de carne de sol. Um calor arretado, que me obrigou a beber uma cerveja. Depois, foi só apreciar o cenário carnavalesco de Olinda, capital brasileira da cultura, que mesmo depois de um mês da festa, ainda aproveitava o cenário em cada rua e casa antiga com seus bonecões gigantes.
Romildo nos esperava no carro enquanto eu comprava as primeiras das inúmeras lembrancinhas que comprei na viagem. Quando estávamos prontos, ele seguiu viagem para Porto de Galinhas. Lá ficaríamos cinco dias. O percurso foi tranqüilo e muito bonito. É bem diferente do visual do sudeste. Por lá reinam as plantações de cana de açúcar. E vez ou outra aparecem alguns vendedores de castanha de caju, o ouro daquela região.
Descemos do táxi felizes com este encontro com Romildo. Prometemos ligar para o telefone da filha dele, já que o dele... já era! Era certo o nosso reencontro com o melhor cicerone de Pernambuco no final desta viagem.


Continua na próxima sexta...

quinta-feira, março 16, 2006

ESTAR VIVO E VIVER


Começo dizendo que a emoção foi tão grande que chorei. As lágrimas vieram por não acreditar que pudesse existir um lugar tão vivo como esse. A vida explode e te agarra com todas as unhas, te impelindo a sentir, sentir de novo e viver junto. Viver no sentido literal da palavra, em comunhão com a natureza à sua volta, e àquela que há dentro, lá num cantinho no seu interior.
Primeiro, as pessoas: são tão lindas, vixe! São felizes, douradas e falam em cadência musical. É preciso ouvi-las falando para conhecer o que é carisma, o que é simpatia... No tom de toda conversa há já um convite para entrar e se aconchegar. Quem vem do sudeste, pouco acostumado com este universo de palavras, chega a pensar que está ouvindo uma outra língua! O ritmo é outro, lindo, impossível não sorrir de imediato.
Depois, a areia: fina, tão fina que parece abraçar seus pés e lhes fazer um carinho. É um tapete macio te dando boas vindas e lhe pedindo para ficar. Pense... De um lado coqueiros altos balançando ao vento, de outro um mar tão verde e imenso que chega a doer. Porque é tão grande que meus olhos parecem não serem suficientes? O sol aqui também é maior e tão perto da terra que não é bom arriscar olhá-lo. De vez em quando ele te toca com toda força para lembrá-lo que aqui ele é o rei.
Pronto: peguei uma jangada e logo pergunto ao seu condutor, Bao: “Porque a cor do mar muda tão rapidamente aqui?” São os corais, pulsantes e vivos que tornam, de repente, a água azul marinho, ele explica.
Nem bem andamos três minutos e eles chegam, rápidos e aos montes. Peixes e mais peixes, de todas as cores e formatos. Cardumes inteiros acompanhando o barco sabendo que ali poderia estar o almoço do dia.
Foram os peixes nadando em volta e junto do barco, que fizeram meu coração pulsar como deveria sempre. Bao me dá a chance de tocá-los com um pouco de ração em uma das mãos, enquanto a jangada corria pelas águas. Nessa hora, muitos outros peixes, enormes, se aglomeraram em minhas mãos, brigando por um pouco do que havia nela.
No meio do mar, Bao atraca sua jangada. Só aqui é possível isso por causa da formação das piscinas naturais na maré baixa. São os corais, vivos, permitindo que a gente se sinta Deus, andando sobre as águas no meio do oceano. De repente, a água fica cristalina e um buraco enorme nos corais forma uma grande piscina. Bao me entrega uns óculos de nadar e me manda mergulhar. Eu? No meio de tantos peixes? Tão grandes? Sim, envolta por eles em todos os lados! Muitos me olham, me circundam, dão uma leve mordiscadinha e continuam seu trajeto. Eles não se intimidam, são acostumados com esses estranhos seres humanos. Tantas cores e tantos formatos, que Bao, citando todos os nomes acabou me convencendo de que é inútil tentar nomeá-los. Melhor sentir a vida envolta de mim. Fiquei quieta, naquele silêncio, ali em baixo de tanta água, e em cima tanto céu. Parece que consegui aqui com ajuda de um milhão de peixes, por uma hora, finalmente, voltar para dentro de mim.

A foto acima foi retirada do site: www.portodegalinhas.com.br

sexta-feira, março 10, 2006

PESSOAS E OLHOS




Olhos vermelhos,
Cerejas de inveja
Olhos azuis,
Mar de compreensão
Olhos verdes,
Árvore da promessa
Olhos amarelos,
Filtros da admiração
Olhos negros,
Noite da cobiça
Olhos castanhos,
Caramelos de amor
Vejo...
Enxergo...
Sou olhada, sempre.
E sei...
O que há dentro de você.

sexta-feira, março 03, 2006

QUANDO EU E NIETZSCHE CHORAMOS


Então foi-se o meu avô, voinho...
Era ele que em tempos idos e felizes retirava um livro da sua prateleira para dividir comigo, embasbacado, o que lia. Não se importava com minha pouca idade e pouca capacidade de entender os grandes pensadores. Por causa disso eu acabei entendendo muita coisa. O tempo foi passando, e eu crescendo e me apoderando das idéias incríveis de escritores que eu não tinha nem coragem para começar a ler.

"Mas, se tendes um inimigo não lhe pagueis o mal com o bem, porque isso o humilharia.”

Meu avô se impressionava muito com a maneira que eles tinham de, numa única frase fazer conter milhões de pensamentos. E, o mais importante, ele conversava comigo por muito tempo sobre apenas uma frase que tinha gostado.

“Posso enganar-me ao pregar meu próprio valor, mas posso pretender que meu valor seja reconhecido”.

Foi assim que adquiri o hábito de colecionar frases. Há muito perdi essa mania porque há muito ele não me instigava com seu sorriso enigmático depois de me mostrar algo que Nietzsche escreveu. Era esse o seu escritor favorito. Marcava o livro, grifava, dobrava as páginas no afã de aprisionar para sempre o pensamento do escritor dentro de si, para nunca mais esquecer. E se algo era realmente impressionante ele escrevia à caneta na última folha do livro a página e o trecho para que pudesse voltar a ela inúmeras vezes.

“É-se punido principalmente pela própria virtude”

Mesmo depois de ter partido, voinho voltou a mim através de Nietzsche e dois de seus livros. Voaram de suas prateleiras para mim, que nunca tive coragem suficiente para lê-los. Nunca quis enfrentar as páginas sem ter meu avô por perto para se impressionar com os escritos. Ele os deixou para mim... Será que são do autor ou do meu avô, que escreveu em suas entrelinhas?


“É preciso aprender a desviar o olhar de si, para ver muitas coisas: tal dureza é necessária a todo escalador de montanhas”.

Fico a folhear os livros que ganhei e que tenho, agora, que ler. Não posso mais fugir, voinho... Afinal, agora sim você estará sempre do meu lado nessa viagem, com aquele sorriso maroto de quem entendeu, finalmente, tudo.

“Pelos outros na mesma medida que por mim”



* As frases em itálico foram escolhidas por Luiz Garcia Pedrosa dos livros: “Assim Falou Zaratustra” e
“Além do Bem e do Mal” de Friedrich W. Nietzsche