sexta-feira, fevereiro 24, 2006

DENTRO DO MAR




Mar, ó mar
Traz sua força para meus pés e calma para minha cabeça...
É nas suas profundezas onde busco minha força perdida
Mar, ó mar
Entranhe suas ondas em meu corpo...
Para que eu entenda que a vida é um eterno ir e vir
Mar, ó mar
Dê-me o número de seus grãos de areia...
Só assim saberei o tamanho de minha pequenez
Mar, ó mar
Envolve suas águas revoltas em todo o meu corpo
Leve-me de um lado a outro
E mostre-me assim como não sou dona de mim
Mar, ó mar
Ofereça-me suas conchas e pérolas
Para que eu saiba que a beleza não tem preço nem limite
Mar, ó mar
Mate minha fome com o mundo que te habita
E prove-me que para sobreviver só preciso de ti
Porque...
Em ti flutuo, em ti mergulho
Em ti sou eu e sou muitas mais...
Dentro de suas águas sou simplesmente eu e sou o mundo
Sou o universo e sou você...
E retornarei... como uma onda...
Cada vez que suas gotas em mim secarem.

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

ENTRE UM E DOIS



Lembro-me de quando éramos Um
Fundidos em corpo, coração, mente e ritmo
De uma dança embriagante que parecia não ter fim
Não tínhamos medo, frio, fome, nem dúvidas...
A paixão era o definitivo sim

Recordo-me de quando éramos a procura de sermos Três
E o corpo, coração e mente se inflaram
Da gana, força e mágica que acenderiam a centelha da criação
Éramos desejo, ansiedade, incerteza e perseverança...
O nascer era nossa redenção

Vejo-me agora longe do meu simbiôntico Um
Cada corpo, coração e mente no seu casulo e busca
De duas separadas almas que de Um formaram Três...
Somos distância, contemplação, silêncio e angústia
Sermos Dois será a nossa salvação

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

POR UM SEGUNDO


A mulher gorda e maltrapilha viu aquele rapaz alto e de boa aparência no posto de gasolina, e pensou que com certeza ele poderia ajudá-la. “Por favor, você conhece alguma casa que tenha um quarto para alugar por aqui?” O rapaz estava ocupado lavando seu carro sujo de barro de tanto vagar pela cidade. “Não conheço, mas tem uma casa de apoio social logo ali na esquina, você pode tentar uma ajuda lá”.
A mulher subiu a rua com um nó na garganta.
Pouco antes de chegar ao local indicado, deu meia-volta e descendo rápido chamou o rapaz. “Eu não ia falar nada, não ia te perguntar isso, mas me achei no direito. Afinal, como você ficou sabendo do meu divórcio? Espalhou pra Deus e o mundo toda a minha história!”
“Eu não sei do que você está falando, eu não te conheço”.
“Pois saiba que essa é uma história minha e da minha família, não se intrometa nisso. É na minha vida que você está se intrometendo”.
O rapaz virou o rosto e disse mais uma vez, sem paciência, que não sabia de nada e nem estava entendendo o que ela estava dizendo. O frentista fez um sinal com a mão e completou, “É mais uma louca, solta daquele hospício do bairro. O sol anda derretendo os miolos das gentes”. E ela seguiu em frente, como quem já soubesse o que a esperava na próxima esquina.

O homem saiu em disparada. Desta vez ele ia conseguir achar a mulher. Não seria tarde demais. O filho pequeno chorava como nunca, já sentia a falta da mãe. “Nunca mais faço nada errado, prometo”. Ele seguia todos os passos dados por ela da última vez em que desapareceu sem deixar nem bilhete nem rastro. Passou por todos os bares, todas as esquinas, todas as casas de amigas, todas as igrejas, hospitais e necrotérios. Não conseguia achá-la. Sentiu-se pequeno, mesquinho e monstruoso por não vê-la realmente esses anos todos, mesmo quando ela estava ali, implorando para ser notada. Agora tinha sumido de vez, e só assim a mulher conseguira entrar em todos os poros dele e estar em todos os seus mínimos pensamentos. Finalmente.
Tinha cruzado o bairro pela milésima vez só naquele ano. Nos outros vinte que se passaram também. Agora o homem avistou de longe seu filho já crescido no posto de gasolina, cansado, lavando mais uma vez o carro cheio de barro, sujo de tanta procura vã. “Agora vou descansar meu rapaz, leve o neném pra casa. Chega de perambular por essa cidade cinza”. O rapaz concordou cabisbaixo, talvez nunca fosse conhecer a mãe. Já não sabia quem procurava, que rosto encontraria e que abraço arrependido receberia.
O homem seguiu em frente, andando devagar com os olhos perdidos no infinito, como quem já soubesse que o nada o esperava na próxima esquina. E por um instante não viu que uma mulher gorda e maltrapilha aproximava do seu filho...

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

MEUS VINTE E MUITOS ANOS


É com vinte, vinte e poucos anos que tudo acontece, ou pelo menos deveria, ou achamos que deveria. Pois eu agora tenho vinte e nove. E agora? Mais uma década termina na minha trajetória e eu sei que muita gente começa a ter uma certa coceira nessa idade. Uma pulguinha atrás da orelha, um pouco de desconforto e um pingo de melancolia. O motivo talvez esteja na nossa pressa de realizar, pressa de fazer, pressa de conquistar e absorver própria dos jovens. Com tanta pressa não se chega bem em lugar algum, e se chegamos, logo já começamos a contestar e a duvidar da certeza que antes tínhamos de que era neste lugar mesmo que queríamos chegar.
Depois de tudo traçado em nossa cabeça começamos a colocar os planos em prática, e tudo o que esperamos de repente começa a acontecer. Vestibular, faculdade, um amor de verdade, sair da casa dos pais, juntar as escovas de dente com um encantador sexo oposto, conseguir se manter, pagar todas as contas sem pedir socorro para os pais, se virar como dona ou dono da casa, ter um trabalho promissor, gostar da profissão, gerar um filho ou comprar um cachorro, conseguir uma promoção, continuar gostando da profissão, dar conta de arcar com o custo de vida (que só aumenta) de um adulto de verdade, sair e se divertir como nunca pois você é livre e dono do seu nariz, criar bem seu filho, ouvir som na maior altura a hora que quiser, ir ao cinema e depois tomar um chopp pra discutir política e economia, fazer um mestrado... Ôpa, peraí, não deu tempo ainda de fazer isso tudo não! Nunca conseguimos tudo o que planejamos e sonhamos na nossa primeira década de vida enquanto brincamos de casinha ou de médico com o coleguinha. Passamos metade da vida achando que quem tem trinta anos é velho e pronto, sem mais o que fazer do que invejar quem ainda está começando.
O que já temos que SER aos trinta? Eu só sei o que ainda não sou. Não sou rica, não tenho sucesso e nem sei o que vou ser quando crescer, pois já cresci e não sou mais quem eu queria ser com 18 anos de idade. Ao mesmo tempo sou muito mais do que um dia vislumbrei ser. Duvidei ser capaz de ser tanto e continuar a não ser completa. Invejo meus vinte e poucos anos, porque sabia com todas as letras o que eu queria ser e fazer, mas agora que já fiz tanto não sei como e nem pra onde seguir. Preciso querer mais do mesmo ou posso revirar a mesa e me reinventar? Ainda tenho tempo pra começar como quem começa aos 20?
As rugas já começaram a aparecer e os primeiros cabelos brancos. Um cansaço estranho toma conta do meu corpo por quase nada. Não tolero bem um porre, não gosto mais de multidão e, se perco uma noite de sono demoro uma semana pra me recuperar. Cada vez mais gosto de blues e jazz, já não sei o nome da mais nova banda pop do momento e muito menos da boate mais badalada. Fico preocupada com meus irmãos mais novos e meu programa favorito é um vinho num bom restaurante. Sou tão jovem e tão velha ao mesmo tempo.
Enquanto tento, com todas as minhas forças, conservar o que já conquistei fico mais tempo na janela, plácida, a meditar. Quase sempre é um branco que insiste em me dar. Só penso nos 29, 29, 29... Como se fosse uma contagem regressiva e eu já estivesse há muito atrasada.
Só falta um.