sexta-feira, novembro 24, 2006

AS DORES DO AMOR


Tereza já não suportava o peso do filho no colo. Por mais que quisesse carregá-lo, seu tamanho já indicava que ele precisava caminhar pelas próprias pernas. Era mais fácil tê-lo no colo porque assim ele não chorava o tempo todo durante o trajeto. E ela gostava de acalentá-lo e ter o corpo dele o mais perto possível do seu.

__ José, hoje você vai ter que ir andando, tá? Olha só o passeio como é largo e como as árvores são bonitas... Podemos ir catando folhas ou chutando pedrinhas, o que acha, filho?

No momento em que Tereza começou a desenlaçar os braços do filho do pescoço, ele endureceu o corpo e cruzou as pernas pela cintura dela. Estava claro que ele não queria caminhar sozinho. Ela insistiu:

__ Filho, vamos de mãos dadas então só até o cruzamento, aí te pego no colo de novo. – disse agachando e o colocando no chão.

José começou um choro sentido e abraçou as pernas da mãe, afundando o rosto cheio de lágrimas na sua coxa. Ela tentava soltá-lo do seu corpo, e ele percebendo que a mãe não ia mudar de idéia, aumentou a intensidade do choro. Os dois não saíram do lugar nos dez minutos seguintes. Quanto mais a mãe explicava seus motivos ou tentava mostrar as belezas do trajeto, mais ele berrava. Tereza começou a sentir dores nos braços e nas costas por tentar fazê-lo ficar de pé, sozinho. Pensou que seu peso no colo era mais fácil do que aquilo que estava passando. Ainda mais que a cena já começava a chamar a atenção dos transeuntes curiosos.
Ela estava prestes a voltar atrás da sua decisão, quando de repente José se atirou no chão aos prantos. Rolava de um lado para o outro e sapateava. Por um momento sentiu raiva do filho, mas viu que aquela atitude só reforçava que estava certa, e foi em frente. Levantou o filho, calmamente, repetiu as mesmas palavras do início e foi andando passo a passo com ele. José dava dois passinhos e voltava a agarrá-la chorando. Tereza começava tudo novamente. Até que ele relaxou o corpo e começou a andar, ainda chorando, mas andou com as próprias pernas.
Foram poucos os passos que José caminhou naquele dia. Quando resolveu andar já estavam no cruzamento em que a mãe tinha prometido pegá-lo no colo novamente.

__ Chegou filho! Agora você pode vir pro colo da mamãe pra gente atravessar a rua.

Foi só sentir o calor do corpo da mãe, que José parou seu pranto inconsolável. Ela o abraçou, chorando por dentro muito mais do ele. Era muito difícil fazer o filho aprender a viver. Alguma coisa a dizia que ainda ia vê-lo chorando daquele jeito muitas vezes na vida.

quinta-feira, novembro 16, 2006

NO MEIO DA NOITE



A mãe sonha
O pai dorme
O menino resmunga

O menino grita
A mãe acorda
O pai levanta

O pai segura
A mãe grita
O menino estribucha

A mãe dá remédio
O pai troca a fralda
O menino se acalma

A mãe se deita
O menino dorme
O pai, insônia...
Primeira poesia do maridão: Fernando Grilo

sexta-feira, novembro 03, 2006

VÁRIOS FILMES EM UM


“Capote”é o filme que eu gostaria de ter feito. É o filme sobre um livro que eu gostaria de ter feito. Ou melhor, é o filme sobre um livro que conta a história de um escritor escrevendo o seu livro, que eu gostaria de ter feito. Trocando em miúdos: o filme “Capote” é baseado no livro biográfico “Capote” de Gerald Clarke que narra a vida do escritor, romancista, jornalista e personalidade Truman Capote. O foco é o período em que Truman resolveu escrever um livro de não-ficção depois que viu a potencialidade da história do assassinato de uma família inteira impressa no jornal em 1959.
Para que este entrelaçado de vidas e histórias funcionasse, o roteirista Dan Futterman meticulosamente pesquisou os cinco anos de vida mais importantes do escritor Truman Capote: os anos em que se dedicou investigando o crime no Kansas para escrever “À Sangue Frio” (“In Cold Blood”). E amarrou várias narrativas dentro de uma.
As primeiras imagens do filme são lentas, arrastadas e silenciosas. Nos mostram um lugar calmo e isolado no mundo, e nos levam à cena do assassinato. Quando já estamos sufocados, dentro da trama do crime, somos levados a conhecer a figura marcante do jornalista investigativo e escritor-celebridade, Truman Capote, brilhantemente interpretado/metamorfoseado pelo vencedor do Oscar de melhor ator, Philip Seimour Hoffman. Passamos a conhecer o autor ao mesmo tempo em que conhecemos o seu futuro livro. Passamos também a acompanhar o sofrimento e envolvimento do autor para conseguir escrevê-lo, ao mesmo tempo em que acompanhamos a história que ele escrevia se desenrolar.
Assim, o cinema consegue expandir suas possibilidades, nos apresentando um produto visual impactante estabelecendo cuidadosamente, através do roteiro, a época e o lugar onde se passam as três tramas. A primeira é a trama da sociedade literária de Nova York, com suas festas de alta sociedade em que Truman reinava.
A segunda é o próprio Truman. Apesar de ser sulista, gay assumido, cheio de trejeitos e uma voz fina e irritante, era o ímã de todas as reuniões intelectuais regadas a muito uísque. Suas maneiras excêntricas não escondiam sua ambição, sem limites, de conquistar o sucesso com seus livros. O filme consegue nos transmitir a personalidade do escritor, sua habilidade em envolver as pessoas e os caminhos tortuosos que teve que tomar para conseguir escrever seu mais importante livro, que mudou os rumos da literatura americana. Enquanto escrevia “A Sangue Frio”, Capote começou a beber muito e tomar pílulas. Paradoxalmente ele se envolvia com um dos assassinos, tinha nojo e queria sua execução para que terminasse sua obra. Ficou tão absurdamente transtornado com a história que escreveu, que nunca mais terminou outro livro. A obra que o consagrou foi também o seu fim.
A outra trama é a que se passa no Meio-Oeste americano, onde o escritor se infiltra, mesmo não pertencendo àquele mundo. A dualidade da pacata sociedade americana e a brutalidade e insanidade de um crime sem precedentes está o tempo todo sendo transmitido na tela grande. O cotidiano das boas famílias, seus jantares sisudos e suas casas bem decoradas e arrumadas entram em choque com a realidade violenta e vulnerável daqueles homens, naquela noite.