sexta-feira, setembro 29, 2006

QUAIS SÃO AS CORES DO SEU CORAÇÃO?


Futebol, o ópio do povo brasileiro. Mais do que religião, escolher e torcer por um time é para nós uma forma de nos firmarmos como pessoa. Faz parte de uma história pessoal, nos insere dentro de uma tribo. Nos aproxima de um monte de gente só porque escolhemos as mesmas cores de uma bandeira. E automaticamente nos faz adversários de quem canta um hino diferente.
É uma escolha, geralmente, que nos é transmitida de gerações passadas. Vemos nossos pais e avós torcendo com uma camisa especial, e algo no brilho dos seus olhos nos impele para fazer a mesma escolha.
Queremos desesperadamente fazer parte daquele grupo seleto de pessoas que gritam, pulam e torcem pelo mesmo ideal: a bola na rede. Mesmo sem saber ao certo porque esse sentimento é tão forte.
Queremos abraços e beijos na comemoração, apertar bem forte a mão de alguém um pouco antes daquele passe perfeito, cantar em coro a mesma canção, impulsionando nossos heróis do momento.
Aprendemos desde muito cedo, assim, que para vencer precisamos ter uma equipe, torcer junto e dar as nossas mãos. Passamos a acreditar cegamente num resultado só porque queremos muito. Aprendemos a ter fé.
Ao mesmo tempo a gente também quer gritar ordens, xingar quem errou e amaldiçoar o juiz. Ah, o juiz... Naquele momento do jogo ele desempenha uma função na torcida tão importante quanto nos jogadores em campo. No gramado é ele quem manda, ele dá as cartas. Na arquibancada ele é uma espécie de salvação da sanidade mental coletiva. Por 90 minutos podemos gritar todos os palavrões que nos seguramos em esbravejar durante toda a semana. Ele se transforma ao mesmo tempo no chefe chato, colega traíra, no namorado displicente ou na esposa cobradora. Lavamos a alma gritando com todos os pulmões aquilo que a sociedade não vê com bons olhos se fizermos todas as vezes que temos vontade.
E o mais importante! Queremos aprender a perder. Time que se preza ensina aos seus torcedores como perder. E não há nada mais valioso na vida do que saber perder. Isso pelo simples fato de que vamos perder muitas vezes ainda até nosso apito final.
E ao olhar pro nosso lado dessa grande arquibancada vemos que milhares de outras pessoas sofrem o mesmo sofrimento e choram as mesmas lágrimas. Aprendemos a oferecer nosso ombro ao torcedor do lado direito e a aceitar o apoio de outro ombro do lado esquerdo. E aí é só esperar pelo próximo jogo.
Esse não é o fim, existe sempre o próximo jogo.

sexta-feira, setembro 22, 2006

LAVRAS NOVAS GANHA O MUNDO

A charmosa Lavras Novas fica incrustada nas montanhas mineiras, e é hoje o principal refúgio de casais urbanos que estão em busca de tranqüilidade e belas paisagens. As charmosas pousadas e pequenas lojas e restaurantes locais são um convite ao descanso e ao prazer. Os moradores, pessoas simples e alegres se transformam - para o turista mais observador - no ápice turístico da pequena vila. A maioria deles sobrevive com o que a natureza lhes oferece.
A tradição mais forte em artesanato local é o trabalho feito em taquara. Os artesãos fazem principalmente cestos para decorar ambientes.
A cestaria já foi atividade de toda a comunidade, mas hoje é feito por no máximo dez famílias, já que o bambu está cada vez mais raro na região e sua renovação é feita somente de oito em oito anos.
É, por ironia do destino, o filho de uma cesteira e de um tropeiro que vem chamando a atenção do circuito artístico mineiro. Figura símbolo de Lavras Novas, Advânio Lessa começou a fazer cestos de taquara aos seis anos de idade. Quando tinha 14 resolveu seguir um outro caminho, criando luminárias com raízes e galhos secos encontrados nas matas da região. Seu pequeno e primeiro atelier se ganhou o bem humorado nome de “Nóis qui faiz, Cês qui compra”. Advânio ficava na porta chamando os turistas para uma prosa, enquanto mostrava o que ele estava criando. E não há quem não se envolva pelo carisma e a mineirice de Advânio. “O importante é as pessoa ‘vê’ o trabáio. Quanto mais gente mió. Não precisa comprá, não”, afirma com seu jeito cativante de falar.
Advânio começou a construir com suas próprias mãos um atelier maior. Fez com as próprias mãos até os tijolos de adobe dessa casa miscigenada de pau a pique e materiais de demolição, que levou três anos para ficar pronta. Hoje, expõe suas esculturas feitas com materiais retirados da natureza e suas pinturas feitas com pigmentação de terra da região. No subsolo, o artista fez uma adega, e a casa de vinhos do Advânio acabou sendo batizada de “Advinho”. O local virou ponto de encontro de artistas, apresentações musicais e teatrais.
Por falar em teatro, o inquieto Advânio é um dos melhores alunos do curso de interpretação que Jonas Bloch, ator que adotou a cidade como sua, ministrou para os moradores de Lavras Novas. Foi o famoso ator que indicou o iniciante para um teste no Rio de Janeiro para o filme JK, de Zelito Viana. Advânio foi selecionado e ainda participou de outro filme: “Filhas do Vento”.
Quando pergunto onde ele vai parar, Advânio diz animado: “Na Europa! Vou morá lá mais minha muié e minha fia”. Não parece se importar com o lugar e sim em aprender e mostrar seu trabalho para mais gente ‘diferente’.





Foto: Fernando Grilo
Atelier de Advânio Lessa em Lavras Novas - MG

sexta-feira, setembro 15, 2006

NÃO ADIANTA CHORAR PELO LEITE DERRAMADO

Entrei no laboratório me sentindo a última dos seres humanos. Em apenas uma semana minha vida tinha virado de ponta cabeça. Então, ficava me perguntando: “Porque eu? Porque eu?” Como se eu fosse a única pessoa a receber más notícias do próprio médico. Como se eu fosse a única a ter que mudar seus hábitos de uma hora para outra.
Com a senha número 39 na mão eu esperava a atendente me chamar, e de repente me dei conta de que o lugar estava completamente tomado de gente de todas as idades fazendo exames. Bom, pelo menos não sou só eu aqui, com certeza essas pessoas não estão aqui a passeio.
A primeira notícia chata que recebi foi de um exame de sangue que resolvi fazer a pedido de uma endocrinologista. Sim, resolvi procurar um médico para me ajudar a perder os três quilinhos a mais da gravidez que não me abandonam por nada. Eu sabia que ela não ia me falar nada muito diferente do que eu já estou cansada de saber, mas eu sou assim, quando coloco uma coisa na cabeça é melhor fazer, mesmo sem entender o motivo aparente. Aprendi a seguir a minha intuição. Lá na frente eu vou acabar descobrindo porque eu “encasquetei” em fazer algo aparentemente sem sentido e sem necessidade. E desta vez foi o colesterol.
“O colesterol está alterado. Não é nada sério, mas a partir de agora nada de leite, só o desnatado”, me diz o cardiologista. “Não tomo leite, Doutor”. “Você tem que tomar leite, senão pode ter problemas com a osteoporose quando estiver mais velha. Toma o desnatado, você acaba se acostumando. Hoje em dia as pessoas estão comendo até peixe cru, então leite desnatado é fichinha.”
Essa simples frase significou nas entrelinhas que não posso comer biscoitos, bolos, queijos gostosos e bem amarelos, chocolate, nenhum prato que leve creme de leite, ou seja, tudo o que há de bom nessa vida. “E não pode comer manteiga também”. “Não como manteiga, doutor”. “Troca pela margarina”, ele me disse fingindo que não me ouviu. “E mais: não pode comer carne gordurosa”. “Eu como principalmente frango, frango é bom, não é?” “É coxa e contra-coxa?” “Sim, ai, é tão gostoso e molhadinho!” “Não pode, tem gordura demais, mais até que o pernil. Tem que ser só o peito do frango ou peixe”. “Amo salmão!” “É o mais gorduroso que existe, escolhe outro, tá?”
Saí do consultório outra pessoa, uma pessoa light de uma hora para outra. Só a cabeça que não ficou nada leve. Ah, você deve estar se perguntando: O que a Carol foi fazer num cardiologista? Fui fazer um risco cirúrgico. “Não se preocupe, o coração vai muito bem. Olha só o desenho aqui, como ele bate bonitinho”. Dei um sorriso amarelo pensando que a minha vesícula não estava nem aí pra isso.
Tudo pronto para fazer a minha colecistectomia com colângio e resolver meu problema de colelitíase. É hoje. “Coisa de mulher velha e cheia de filhos”, disse meu simpático médico do ultra-som depois de avistar a minha vesícula completamente tomada por pedras. “É ela mesmo! Dá pra fazer um colar”, riu.
E eu, chorei.

sexta-feira, setembro 08, 2006

JÓIA DE VIVER

Aquelas pedras insistiam
Em meu caminho ficavam
Até que eu as escalasse
E pro meu ninho voltasse

Nos meus pés o chão corria
Forçava-me de novo a andar
Com as pedras me reencontrei
Para aos poucos as triturar

Coberta de pó continuei
Muitas curvas ainda corri
Preciosas pedras voaram
Em montanhas me vi

Para dentro de mim as trouxe
Pó, pedras e montanhas
Só assim não as encontro mais
Levando-as comigo a viajar.

sexta-feira, setembro 01, 2006

SALVEM PLUTÃO!



Então o homem decidiu que Plutão não é mais um planeta, e resolveu eliminá-lo do Sistema Solar. Provavelmente foi um homem do sexo masculino, um intelectual que mora em Praga, que numa grande Assembléia, resolveu riscar um planeta inteirinho do nosso mapa celestial.
Eles, os cientistas, começaram a achar que Plutão era muito pequeno, e estava diminuindo muito nos últimos tempos, sabe... Já o tinham tachado de “Planeta-Anão”, e não ficaram satisfeitos. E ele continuou diminuindo. É muito menor do que a Lua, do que a própria Terra. Insignificante o Plutão, gente!
Outro detalhe importante, que pesou na decisão, foi que a órbita de Plutão estava muito fora do convencional: devia ser paralela à órbita da Terra e dos outros planetas, mas já estava u-huuu, pra lá de Marrakesh – que por enquanto ainda é uma cidade de um ainda país chamado Marrocos. “É isso, pessoal: esqueçam Plutão!” Assim, notícia assim sem preparo, sem nada, nem um copo d’água com açúcar pra amaciar má notícia. Ponto final. A vida continua sem Plutão.
Lembrei-me das minhas aulas de ciências e me senti velha e ultrapassada. Sou do tempo em que Plutão existia, e eram nove os planetas. Gostava da sonoridade do conjunto deles: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão. A gente falava em coro, em tom musical, na sala de aula e eu me sentia parte de algo monumental.
Como suportar o desconhecido que se segue? Nada mesmo é eterno, e nada é seguro. Assim vivo cada dia, sem saber o que vai acontecer no próximo minuto. Era certo, garantido: eu tinha a Lua, olhava para ela todas as noites da janela do meu quarto e me sentia segura. De repente, um calafrio me percorre a espinha: “A Lua, afinal, não estará sempre ali?” Não será para sempre o único satélite natural da Terra? Literalmente Tudo pode acontecer.
Se Plutão não é mais um planeta, posso de repente não ser considerada mais uma pessoa. Sou tão menor, sou tão menos significante do que um planeta! Um cisco, sim, na infinitude cósmica. Muitas vezes, um cisco em meu próprio planeta, em meu país, na minha cidade. Sim, sou bem pequena para o meu bairro, e algumas vezes me sinto assim dentro da minha casa. Se essa Assembléia da União Astronômica Internacional fosse me avaliar em dias nublados, eu corria um risco danado de ser excluída da face da terra. Afinal, sou muito fora de órbita! E não teria nenhum lugar para pedir asilo, já que o mais distante e pequeno planetinha já nem existe mais para nós.
Plutão é visto agora pela comunidade científica como o primeiro de uma categoria de objetos trans-netunianos. Acabaram de inventar essa denominação complicada, o que nas entrelinhas significa que transformaram uma pessoa em um vaso de decoração da sala da vovó.
Há uma certa poesia, entretanto, ao pensar agora em Plutão. É dos planetas aquele que não se encaixa nos padrões, não tem a exuberância necessária, nem atributos de cair o queixo, nem tem influência grande no Sistema. E ele se importa ou tenta se adequar aos nossos padrões? Claro que não! Está pouco se plutando...
Sim, pensar em Plutão é admitir em nós falhas, quebras, imperfeições, buracos e insignificância. Como ele. Porque por mais que não o consideremos, ele vai continuar onde sempre esteve.