quarta-feira, maio 30, 2007

CAVALGADA


Seu trote procura por mim, mas ele não vê que o observo sentada ao longe. Todos o olham, todos podem ver a beleza do seu porte, o brilho do seu pêlo.

Um alazão cor de chocolate é quem me leva pelo mundo. Eu seguro suas rédeas iludida pela sensação de que sou eu quem o guia. Nunca antes tinha sido conduzida com tamanha e imperceptível força.

Ele brilha no centro daquela enorme arena, relincha. Está desesperado pois não me encontra mais. Eu gosto de esperar e ver o que ele fará em seguida sem mim.

Agora meu cavalo tem uma fotografia nas mãos. Empina alto e a mostra ao público, desesperado. E diz: "Onde está ela? Quem viu?"

Porque meu condutor se perde sem sua conduzida, me pergunto. Assistindo ao seu desespero, me cresce a paixão por ele.

Volto ao seu lombo. Estou entregue. Recomeçamos nossa cavalgada sem fim. Sei que ele vai me mostrar o mundo, vai me levar para onde eu quero que ele vá comigo. Ele vai porque sabe que não importa o onde, e sim o caminho a ser vivido.

E eu penso que sei, mas só sei quando ele me leva. Só entendo quando chego a um outro lugar, diferente daquele para qual eu tinha nos guiado. É quando chego novamente ao começo de tudo que entendo que era lá que realmente eu queria chegar.

Desço do meu alazão cor de terra para agradecê-lo num beijo eterno.

segunda-feira, maio 21, 2007

ETERNO RETORNO




Ele foi andando pela linha de trem que sua família conhecia como morte. O fim do caminho de sua mãe foi ali. Estava abandonada, vazia de movimento como ela esteve. A estação agora estava só e esperava pela eternidade. Seus pés que pisavam nas britas esquecidas faziam o barulho mais alto que podia se ouvir ali em anos. A virilidade do trem já não mais penetrava o vazio. Não via malas, nem casais se despedindo.

Ele ouvia tudo - pássaros, vento, cachorros latindo ao longe e até uma abelha a sorver uma flor. Por mais de trinta anos evitou qualquer lembrança que o levasse de volta ao dia de sua perda maior. No meio da trilha do monstro resolveu, enfim, caminhar.

A mãe tinha estado ali, em vão, em busca de uma saída. Diziam que ela não escutava bem, diziam que estava quase surda. E foi nisso em que resolveu acreditar. Mas hoje percebeu que era impossível não ouvir os sons de um trem em movimento. Queria enfrentar aquele que tinha passado por cima dos sonhos de uma mulher pobre, sem estudos, mal amada e sem esperanças.

Esperou pela máquina rastejante. Ali, em pé como uma estátua ou caminhando, esperou. Nada. No fim da linha deu as costas ao seu primeiro passado. Tomou o ônibus para seguir ao endereço guardado no bolso da camisa. Agora era a vez de procurar seu pai.


quinta-feira, maio 03, 2007

MINHA CIDADE EM MIM



Ando por cidades semi-alagadas. Nessa minha caminhada os meus pés estão constantemente submersos. A água é estranhamente limpa, cristalina. Todas as pessoas locais agem normalmente quanto a isso. Não usam sapatos, nem sandálias. Quanto à mim – tive que tirá-los em certo ponto da viagem. Estavam já se desfazendo. A pele e a água, dedos que nadam.
Agora ouço o barulho dos meus pés a caminhar. Já não sei mais onde estou e nem sei onde vou chegar. Olho para meus passos nessa água e a sinto na planta dos meus pés.
Deixo de sentir sede, nem fome mais eu sinto, ou frio, ou calor, ou mesmo sono. Não me canso mais como antes, não durmo e nunca penso em desistir. Simples, não penso.
Toda essa água que alimenta meu ser/sentir transborda de um só lugar que ainda vou encontrar. Não são rios, lagos ou mares que encharcam as ruas dessas cidades do meu trajeto. É uma fonte, um imenso chafariz que avisto ao longe. Uma enorme e redonda fonte luminosa que vaza água aos poucos e sempre.
Aproximo-me e o som da água sendo jorrada me toma o meu corpo. Vejo que dentro dela há jóias, muitas delas, formando um cenário colorido no espelho d’água. Colares de pérolas, pulseiras de rubis, anéis de ouro e diamantes. São tantas as jóias que chegam a escorrer junto com a água para o chão.
Uma pessoa cuida do lugar. É ela que vem até mim e diz: “Você pode escolher a jóia que quiser ter daqui. É só trocar por essa que você já tem no pescoço”. Olho para o meu busto e me surpreendo com um colar de ouro que nem sabia possuir. Era nem muito espesso, nem muito fino. Estava ali o tempo todo...
Tomei nas mãos o colar mais lindo e valioso que pude achar naquela fonte. Era tão brilhante que me cegava, tão grande que não fui capaz de usá-lo em meu pescoço por muito tempo.
Eu só queria voltar ao meu caminho pelas águas, e não pude deixar a minha jóia por outra naquela cidade.
Vou, ainda a mesma, mas agora sabendo quem era e o que possuía. Ouço de novo o som das águas correndo em meus pés que ainda caminham numa única e infinita direção.