quinta-feira, maio 25, 2006

LER MINAS GERAIS


“Grande Sertão: Veredas”. Esta obra define muito do que é a literatura mineira. Reflete um autor de extraordinária capacidade de transmissão do seu mundo, e foi resultado de um período de dois anos de gestação e parto. A história do amor proibido de Riobaldo, o narrador, por Diadorim é o centro da narrativa. Para Renard Perez, autor de um ensaio sobre Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas, “além da técnica e da linguagem surpreendentes, deve-se destacar o poder de criação do romancista, e sua aguda análise dos conflitos psicológicos presentes na história”.O livro causou grande impacto no cenário literário brasileiro. Foi traduzido para diversas línguas e seu sucesso deve-se, sobretudo, às inovações formais. Crítica e público dividem-se entre louvores apaixonados e ataques ferozes.
Grande Sertão tornou-se um sucesso comercial, além de receber três prêmios nacionais: o Machado de Assis, do Instituto Nacional do Livro; o Carmen Dolores Barbosa, de São Paulo; e o Paula Brito, do Rio de Janeiro. A publicação faz com que Guimarães Rosa fosse considerado uma figura singular no panorama da literatura moderna, tornando-se um "caso" nacional. “Rosa foi responsável por um dos momentos mais marcantes da literatura mineira. Não só por Grande Sertão: Veredas, mas também pelos contos de Tutaméia e Primeiras Histórias”, avalia a ensaísta e poeta Vera Casa Nova - Doutora em Semiótica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professora da Faculdade de Letras da UFMG, com trabalhos publicados em revistas especializadas e livros no campo das artes e letras. Como definir a literatura mineira? Vera dá o tom: “É o traço de local absolutamente universal. O que parece uma contradição é o mais notável que existe.”
Prova disso é o outro também aclamado livro de Rosa, “Sagarana”. Um conjunto de sagas - histórias épicas, folclóricas, de amor, mistério e aventura que universaliza o sertão, mistura o popular e o erudito, fecunda de vida o mundo primitivo e mágico dos Gerais. "Lá em cima daquela serra, passa boi, passa boiada, passa gente ruim e boa, passa a minha namorada". Assim são seus primeiros versos...
C.D.A
Escrevendo sobre o seu mundo interior, o genial Carlos Drummond de Andrade, poeta nascido em Itabira em 1902, escreveu sobre cada um de nós. A dominante nos seus versos é a individualidade do autor, poeta da ordem e da consolidação, ainda que sempre, e fecundamente, contraditórias. Torturado pelo passado, assombrado com o futuro, ele se detém num presente dilacerado por este e por aquele, testemunha lúcida de si mesmo e do transcurso dos homens, de um ponto de vista melancólico e cético. Mas, enquanto ironiza os costumes e a sociedade, asperamente satírico em seu amargor e desencanto, entrega-se com empenho e requinte construtivo à comunicação estética desse modo de ser e estar. Dizia-se perseguido pelas suas mais famosas linhas: “No meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho”. Entretanto C.D.A transpôs-se em cada uma das pedras da vida e nos deixou um dos mais belos conjuntos de obra já publicados.
Mesmo que listássemos todos os escritores que marcaram época em Minas e no Brasil, ainda faltaria algum, tamanha a nossa tradição literata. Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Ziraldo, Affonso Romano de Sant’Anna, Mário Prata, Rubem Alves, Rubem Fonseca, e Adélia Prado que costumava dizer que o cotidiano é a própria condição da literatura. "Alguns personagens de poemas são vazados de pessoas da minha cidade, mas espero estejam transvazados no poema, nimbados de realidade. É pretensioso? Mas a poesia não é a revelação do real? Eu só tenho o cotidiano e meu sentimento dele. Não sei de alguém que tenha mais. O cotidiano em Divinópolis é igual ao de Hong-Kong, só que vivido em português."
É por isso que cada dia viajo pra algum lugar em alguma página de um livro esquecido em minha estante globalizada.

sexta-feira, maio 19, 2006

A ARTE DO MINEIRO



Para ser mineiro não basta ter nascido em Minas Gerais. Para ser mineiro é preciso cultivar a mineiridade em cada gesto, olhar e jeito de conversar. É preciso ser um sujeito admirado! Encantado com o mundo, com as pessoas e com a paisagem que o cerca. A construção do verdadeiro mineiro começa nas brincadeiras de rua, no carrinho de rolimã, na pipa e no prazer de se sentar ao lado de um fogão a lenha, tomar uma caneca de café bem quente e comer uma broa de fubá enquanto se tira um dedo de prosa. É saber ouvir uma viola, receber amigos em casa e respeitar os seus vizinhos. Ser mineiro é viver na terra da liberdade, conhecendo bem os seus limites.
A Estrada Real acabou revelando em Minas um tesouro muito mais valioso do que o ouro que os portugueses puderam, um dia, levar. Aqui, entre os mares de morros, subidas e descidas das cidades históricas, acabaram nascendo artistas incríveis e incomparáveis.
Quando foi que nós mineiros começamos a construir a nossa vasta cultura, a nossa arte – profunda - e sem limites?
Poderíamos voltar dez mil anos no tempo e vasculhar as paredes das cavernas dos sítios arqueológicos de Lagoa Santa, Serra do Cipó, Cocais ou outros ainda por descobrir, e nos deparar com as primeiras pinturas rupestres. Não tão longe no tempo, já no século dezoito, quando as áreas de mineração desenvolveram um grande número de construções religiosas, se criariam as mais diversas formas de expressão da arte. Estaria lá a semente de um povo que culturalmente viria a ser o estado brasileiro que mais criou raízes, sedimentando os seus costumes, crenças e modos através de manifestações artísticas em todas as áreas.
Curiosamente, do mesmo modo em que o mineiro fincou os pés na base da sua montanha, fixou os olhos em seu cume. Foi-se construindo assim um povo profundamente ligado ao passado e às raízes, mas buscando o futuro e o recebendo com os braços abertos. Por isso é tão difícil enumerar seus mais importantes artistas, pois cada um dos filhos desta profícua terra tem um pouco do artesão, do cozinheiro, do pintor, do escultor ou do músico.
Todo mineiro tem uma avó, exímia cozinheira, que delicia a família com broas, bolos, queijos e tropeiros preparados com a mesma inspiração e beleza que um artista plástico consagrado faz sua obra; ou tem um avô que conta ‘causos’ divinamente como aquele escritor premiado que nós tanto admiramos. Quem são seus artistas ilustres? Todos, mas alguns mais do que os outros.
São filhos dessa terra o inesquecível escultor Aleijadinho, a lírica poetisa Henriqueta Lisboa, o premiado e consagrado pianista Nelson Freire, o precursor do cinema nacional: Humberto Mauro, o músico multifacetado Ary Barroso, o incomparável ator Grande Otelo, o eterno “menino-cartunista” Henfil e o genial escritor João Guimarães Rosa. Este último que um dia escreveu com melancolia em seu “Manuelzão e Miguilim”: “Estou sempre pensando que lá por detrás dele (do morro) acontecem outras coisas, que o morro está tapando de mim, e que eu nunca hei de poder ver”. Entretanto, Rosa, sim, enxergou de nós e de Minas até o que não viu, e nos contou.


Texto: Carolina Godoi
Foto: Fernando Grilo
Todos os direitos reservados.

sexta-feira, maio 12, 2006

COLECIONADORA DE TEMPO


Perturba-me a passagem do tempo, por isso fico a guardar pedaços da minha existência. Coleciono fotos, objetos, cartas, presentes e souvenirs. Esses últimos, aqui na minha terra, a gente chama de ‘lembrancinhas’. Adoro esse nome porque de uma forma carinhosa e despretensiosa, guarda exatamente, numa só palavra metaforizada, o que elas são para mim. Gosto de olhar e re-olhar aquilo que está guardado na minha cristaleira, e ter um cheiro de lembrança daquilo que fui ou daquilo que vivi. Inutilmente, tentando fazer a Terra girar ao contrário e voltar o tempo.
Foi nisso que pensei ao resolver não jogar fora o perfume que comprei em Roma na minha lua-de-mel. Ele já está velho, não tem um cheiro bom mais, a cor é outra e a embalagem está enferrujada depois de cinco anos de passagem. Mas ao redescobri-lo no fundo do armário, voltei àqueles dias inesquecíveis por alguns segundos. É até uma ironia que o perfume se chame Souvenir d’Italie.
Não consigo agarrar o tempo com as mãos, e dizê-lo para não ser tão cruel comigo. “Mais devagar, preciso que você passe mais devagar”, grito. Ele não me ouve. Está muito ocupado, passando.
Olho as fotos do meu filho e quase não acredito que aquilo que ele foi, não estará mais aqui, nunca mais. Ele vai embora todos os dias. Ele agora é outro e amanhã será outro mais diferente ainda. Criança crescendo é a gente envelhecendo.
Vejo os cabelos brancos do meu pai, que de repente resolveram aparecer, e me pego pensando que eles erraram de lugar. Esses cabelos sempre foram do meu avô, não combinam contigo, pai... Por um segundo me esqueço de que você já é o avô do meu filho.
Reparo na calma do meu avô, sua quietude e placidez dizendo pra mim enquanto escreve num formulário sua data de nascimento: 04-10-1923... “Agora sou o mais velho que existe”, ele me diz. Sim, agora o tempo é seu senhor, e ele, observa meu avô, que contava tantos casos, ficando cada vez mais calado. Assim como o outro bisavô do meu filho, o avô do meu marido. Calado, ele adora ficar horas sentado do lado do berço do bisneto a admirar esse presente que só o tempo poderia lhe dar.
Toda vez que uma das minhas lembrancinhas se quebra, sinto que perdi mais uma batalha para o tempo. É ele dizendo que não adianta tentar ludibriá-lo. Hoje foi uma máscara que ficava pendurada na minha parede, que se partiu no chão. Foi comprada em Veneza, onde vivi uma paixão. O cheiro de lá, a comida, o vinho, o cenário, as pessoas, as suas águas, enfim, estava tudo preservado dentro dela. Percebi que aquele tempo passou, não volta mais, se quebrou no chão. Agora, sinto que não tenho mais aquilo que vivi. Vou tentar colar as partes espatifadas, mas sabendo que preciso viver tudo de novo, pra voltar a existir.

sexta-feira, maio 05, 2006

PURA EMOÇÃO


Fábio Jr. está fazendo 35 anos de carreira, e está comemorando com uma turnê pelo Brasil. Mais uma vez ele voltou a Belo Horizonte, mas para mim, dessa vez foi diferente porque, dessa vez, eu resolvi ir ao show.
Gostar da música do Fábio Jr., gostar dele especialmente, foi sempre guardado dentro de mim esses anos todos. Nunca saí por aí dizendo aos quatro ventos isso, afinal isso é muito íntimo, é só meu. Sou apaixonada por ele desde criança, quando o assistia fazendo musicais com a Simony e a turma do Balão Mágico. Tenho a lembrança viva de, ainda muito criança, o ver na televisão e apontá-lo pra minha mãe dizendo que ele era meu namorado. Ele e o Ney Matogrosso. Bom, porque incluí o Ney nisso, até hoje não entendi...
Minha fantasia com essa persona que o Fábio Jr. encena sobreviveu à infância e à adolescência. Um pouquinho mais velha eu comecei a sonhar com ele, sonhos vivos, reais. Neles, eu sempre o encontrava depois de uma longa procura, e ele finalmente descobria que eu era sua alma gêmea. Depois os sonhos foram ficando mais complexos. Eu casava, engravidava e éramos felizes para sempre. Eu acordava mais apaixonada e com a certeza de que um dia ele ia me encontrar e descobrir porque nenhum casamento dele ainda não deu certo.
E as músicas, ah as músicas, quase ia me esquecendo. São quase todas hits de sucesso. No show, fiquei impressionada com a quantidade de canções que ele emplacou nesses anos. Fico ainda cantarolando: “Demorei muito pra te encontrar, agora quero só vocêêêê”! ou “Felicidade, brilha no ar, como uma estrela que não está lááááá!” Chorei quando ele cantou a música “PAI”, gritei quando ele chamava algumas barangas pra subir no palco. Acho que foram umas 15 mulheres, que ele fez questão de beijar. Ele sabe conquistar o público, quase cem por cento feminino (os poucos homens que foram estavam lá pra acompanhar as esposas) como ninguém. Mesmo de longe ele te olha como se você fosse a única no estádio, na cidade, no mundo. E continuei gritando enquanto ele balançava o cabelo da nuca, tirava a jaqueta, jogava flores para a platéia. Quando dei por mim, ele já estava dizendo “Brigaduuu”!
De nada Fábio, eu sabia que um dia a gente ia se encontrar.